sexta-feira, 16 de novembro de 2007

...tradição cineclubista....

Santa Maria tem uma antiga tradição ligada ao cineclubismo. Já na longínqua década de 50, Edmundo Cardoso montou e coordenou o Clube do Cinema de Santa Maria que funcionou de 1951 até 1961 no antigo Centro Cultural, hoje Theatro Treze de Maio. As sessões aconteciam todas às segundas-feiras, sendo que todos os sócios recebiam em suas casas a programação do mês. Esta programação era constituída por filmes de 35mm e 16mm escolhidos dentro de critérios artísticos estabelecidos por Edmundo e demais participantes. Os filmes vinham de Porto Alegre, do centro do país e também de Montevidéo e de Buenos Aires, de outra forma dificilmente seriam exibidos em Santa Maria. Esta prática provocou uma reação dos proprietários dos cinemas existentes em Santa Maria na época que começaram a exercer certa pressão junto aos distribuidores de filmes, exigiam exclusividade ao acesso dos filmes alegando prejuízos, ou seja, diminuição de público nas salas. O Clube do Cinema não só continuou funcionando como também fez com que as salas de cinema passassem a inserir, dentro de sua programação, filmes diferentes daqueles que vinham sendo projetados até então. Os cinemas adotaram a estratégia de fazer ciclos de determinados diretores porque perceberam que havia um público interessado devido ao trabalho de formação do cineclube.

Outra pessoa muito importante neste processo foi o Irmão Ademar que desenvolveu um trabalho de exibição de filmes em toda a 4ª região colonizada pelos imigrantes italianos, isto ainda na década de 40. Irmão Ademar percorria todos os povoados fazendo projeções que despertavam, principalmente para os jovens, um respeito e uma admiração pelo sacerdócio, já que ele apontava para uma possibilidade de conhecimento, de acesso ao novo. Dessa forma, a Igreja Católica conseguia manter um contato mais próximo com as comunidades ao mesmo tempo em que arrebanhava novos alunos para os seminários que começavam a ser criados.

Contribuição também importante para a formação de novos públicos em Santa Maria se deu nos anos 50 junto da Ação Católica, no prédio onde hoje funciona a Livraria Medianeira, coordenada por Dom Walmor Battu Wicrowisky que projetava desenhos animados para a gurizada, em sessões matinés, e outros filmes "não muitos pesados" para um público adulto aos finais de semana. Os guris, que assistiam os desenhos do "Pica-Pau" na Ação Católica, levaram para o Colégio Santa Maria a idéia e criaram o Cineclube Colégio Santa Maria, isto já em 1961. Este grupo era formado basicamente por José Luiz Duarte, James Giacomoni, Paulo Sotto, Ronái Pires da Rocha, Paulo Buss, Teófilo Torrentegui, e Marcos Farret. Desenvolveram atividades cineclubistas por mais de 5 anos dentro do Colégio, muito mais pelo empenho do grupo que por apoio da instituição. Preparavam materiais que eram produzidos a partir de uma biblioteca de livros sobre cinema que eles conseguiram montar para depois serem distribuídos para os freqüentadores. Simultaneamente, alunos do Seminário São José, também começaram a desenvolver um trabalho inspirados em Padre Atílio Rosa que também marcou presença na região de Santa Maria como um incentivador do cinema. Um dos integrantes deste grupo do Seminário São José, também vindo das sessões da Ação Cultural, é Humberto Gabbi Zanatta, atual Secretário de Cultura de Santa Maria. Promoviam conjuntamente cursos de cinema com convidados vindos de Porto Alegre.

A semente já havia sido lançada e no começo dos anos 70 o Centro Cultural passou a abrigar cineclubistas, que criaram um Departamento de Cinema do Centro Cultural, que começaram exibir e discutir cinema. Integravam este grupo Pedro Freire Junior, que era Diretor do Centro na época, Luiz Carlos Grassi, Nicola Chiarelli, Roberto Bisogno, Humberto Ferreira, José Feijó Caneda e outros tantos. Tinham interesse em começar a produzir e deixar um pouco de lado as discussões estéticas. Como o super 8 era uma bitola mais acessível, fizeram alguns filmes, dos quais a maior parte foi perdida com o tempo. Essa experiência resultou numa única edição do primeiro festival gaúcho de super 8 em 1975. Conseguiram juntar neste festival, filmes vindos do Maranhão, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. Segundo Grassi, um dos idealizadores do festival, isto se deu devido à falta de festivais como este na época. Também neste festival foi lançado o melhor filme feito em super 8 na cidade: "O Velório de Vicente Silveira", idealizado e realizado, mesmo que com o apoio de todos, por Modesto Wenevicker. Outro santa-mariense que participou do festival como realizador foi Sérgio Assis Brasil.

Outra experiência citada tanto por Grassi como por Freire Jr., era o Cineminha do Itararé, assim chamado porque se tratava de uma sala pequena (para a época), com cadeiras simples, que comportava 120 lugares com projeção em 16mm. Este "cineminha" era de um espanhol chamado Angel Alcântara, que tendo vindo da Europa trouxe com ele a cultura do cinema e da projeção, contribuindo também para a formação cinematográfica desta geração santa-mariense do início dos anos 70.

Em meados de 1977 estudantes da Universidade Federal de Santa Maria, com o apoio de outras pessoas que continuavam freqüentando o Centro Cultural conceberam a criação do Cineclube Lanterninha Aurélio. Um deles, Paulo dos Santos Pires, com grande experiência na atuação em cine­clubes operários de São Paulo e com trânsito entre as distribuidoras de filmes alternativos, facilitou a implementação do projeto. O equipamento necessário (projetor na bitola 16mm), foi conseguido sob empréstimo, junto à Pró-Reitoria de Extensão da UFSM.

A relação da CESMA com o movimento cineclubista nasceu dessa forma, já que ambos foram criados na mesma época, impelidos pelas mesmas condições políticas e basicamente pelos mesmos estudantes que desejavam mudar a realidade em que viviam, fazendo uso de um para divulgar o trabalho do outro. Em seguida o cine­clube foi incorporado à estrutura da CESMA e o nome escolhido – LANTER­NI­NHA AURÉLIO – foi uma homenagem ao lanterni­nha que trabalhava no Cinema Imperial da rua Dr. Bozano. Escolha que se deu justamente no Centro Cultural, após muita discussão, onde estavam presentes, além do já citado Paulo Pires dos Santos, Gilberto Muniz Simon (associado nº 01 da CESMA), Paulo Pires, Valério Patta Pillar, Humberto Gabbi Zanatta (Diretor do Centro na época), Orlando Fonseca, que iniciava sua jornada cultural, Jair Alan e outros agora anônimos, mas não menos importantes.

O Cineclube Lanterninha Aurélio foi criado durante o período do regime militar, com o objetivo específico de promover o debate político da realidade brasileira, tanto na Universidade como nos bairros e vilas de Santa Maria. Todos os filmes – mais de 200, que o Cineclube trouxe para a cidade, antes do advento do vídeo, foram apresentados nos anfiteatros do Campus Universitário, DCE e vilas, em promoção conjunta com associações de bairros e sindicatos, possibilitando que pessoas de diferentes classes sociais compartilhassem informações transmitidas pelos filmes ou ainda através das conversas desenvolvidas com os participantes. Filmes de conteúdo político, que retratavam a situação do trabalhador rural, das fábricas e da população em geral eram a introdução para o debate que se desenrolava após as projeções. Mas não só de filmes políticos viveu o Lanterninha Aurélio, em sua primeira fase foram presenciadas mostras de filmes alemães, russos, franceses permea­dos com outros tantos latino-americanos.

A abertura política, a dificuldade das distribuidoras em conseguir filmes novos, o árduo trabalho de cada projeção (o deslocamento de um projetor muito pesado, entre uma exibição e outra, era feito através do transporte coletivo), o fim do ciclo universitário de muitos dos aficionados e de outros que estavam diretamente ligados à execução, apontaram para outro período de inatividade. Já estávamos em 1984.

Em 1987 quando a CESMA abriu sua locadora, propiciou o ingresso numa nova fase de exibição de filmes agora em VHS. Vários ciclos foram desenvolvidos, naquele momento em parceria com o Laboratório de Informática do CCSH que emprestava a "Sala 07", bem como uma televisão de 54 polegadas, para estas exibições que aconteciam às quartas-feiras sempre às 19h. As sessões estavam sempre lotadas, chegando a comportar algumas vezes mais de 80 pessoas. Durante esta fase, que perdurou até meados de 1995, foram exibidos mais de 300 filmes, todos do acervo da locadora da cooperativa.

Dificuldades de renovação do acordo que permitia o uso da Sala 07, a própria popularização do vídeo cassete e o desmantelamento do grupo de trabalho suspenderam mais uma vez as atividades do Lanterninha Aurélio, abrindo uma lacuna na cena cultural da cidade, que viria a ser preenchida em seguida pelo Cine­clube Otelo, mantido pelo Sindicato dos Bancários de Santa que desenvolveu suas atividades de 1995 até 1999. Pessoas que haviam iniciando sua trajetória cineclubista através do Lanterninha Aurélio, desenvolveram um trabalho muito forte no Otelo. Uma dessas pessoas é o Luiz Alberto Cassol, hoje Coordenador do Festival Santa Maria Vídeo e Cinema. O Otelo trouxe para Santa Maria um novo ânimo nas atividades cineclubistas, trazendo para a cidade vários realizadores de Porto Alegre. A trajetória normal do grupo foi voltar-se para a realização de alguns trabalhos. Em 2001 a TV OVO, Oficina de Vídeo criada a partir de oficinas de vídeo ministradas em 1996 para jovens da periferia da cidade, criou e desenvolveu durante um ano o Cineclube Porão.

Em 2002 começou um processo de articulação do movimento cineclubista de Santa Maria, possibilitando a retomada de atividades conjuntas. Isto apontou para a reativação do Cine­clu­be Lanterninha Aurélio através da aglutinação de pessoas que estiveram envolvidas nos projetos do Lanterninha, do Otelo e do Porão, para que pudéssemos ter um espaço para exibir um pouco da produção local. Com o apoio da Casa de Cultura de Santa Maria que disponibilizou seu auditório que comporta cerca de 150 pessoas. A parceria estabelecida também com a Estação Cinema e com a TV OVO foi fundamental neste processo. As atividades cineclubistas foram retomadas na metade de 2003 e de lá para cá foram desenvolvidos vários ciclos que priorizaram a produção local, gaúcha e nacional. Sempre que preciso, e de acordo com a concordância do grupo, era feito o uso de outras produções. Procurava-se ter pelo menos uma vez por mês um convidado, de preferência um realizador, para apresentar e conduzir um debate sobre determinada obra.

Outros cineclubes foram criados recentemente em Santa Maria, alguns que funcionam junto à UFSM e o outro que é coordenado pelos alunos da Comunicação Social da UNIFRA, parceiro do Lanterninha Aurélio em várias atividades.

A retomada destas atividades em Santa Maria coincidiram com o processo de rearticulação do movimento cineclubista nacional proposto pelo Ministério da Cultura.



Paulo Henrique Teixeira

Coordenação do Cineclube Lanterninha Aurélio

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