quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

O atual presente também é passado

Em junho de 1895, na cidade de Lyon, por ocasião do congresso das sociedades francesas de fotografia, os irmãos Lumiére, Louis e Auguste apresentam o Cinematógrafo, um aparelho que consegue captar e projetar imagens em movimento. No entanto, somente no dia 28 de dezembro do mesmo ano, no Grand Café em Paris, acontece a primeira projeção pública. A partir dessa data, o cinematógrafo percorre toda a Europa e ganha dimensões extracontinentais, chegando ao Brasil em 8 de julho de 1896, apenas 7 meses após a sessão histórica de Paris.

Essa rápida expansão é reflexo do encantamento provocado pelas “imagens em movimento” e fruto da iniciativa dos próprios Lumiere, que incentivam inúmeros operadores a se espalhar por diversas partes do mundo com a dupla missão: realizar filmes para alimentar o repertório do cinematógrafo e organizar sessões de projeções em praças públicas ou através do aluguel de salas.

Os “retratos das cidades” realizados pelos operadores Lumiére servem a dois públicos: os espectadores ávidos por descobrir países e costumes estrangeiros e os nativos que se deleitam reconhecendo lugares familiares.

Essa apropriação do público acaba por transformar o cinema na grande arte do século XX, pois ele adquire também o caráter ficcional e de entretenimento.

O cinematógrafo no Rio Grande

Se Nova York pôde aclamar o cinematógrafo dos Lumiére em 29 de junho de 1896, um pouco antes do Rio de Janeiro, os porto-alegrenses, por sua vez, presenciaram essa maravilha do mundo moderno em 08 de novembro do mesmo ano.

Em 1895, com quase 70 mil habitantes, Porto Alegre passava por um frenético período de expansão. A luz elétrica levada a particulares por uma companhia inglesa desde 1873, alcançava um número cada vez maior de residências. A iluminação pública contabilizava mais de 600 lampiões a gás. Essa característica permitiu a vinda do aparelho dos Lumiére para o Rio Grande do Sul.

Conforme o documento escrito pelo médico e pesquisador Romeu Beltrão em 25 de agosto de 1956, data da re-inauguração do Cine Independência: “A primeira exibição de cinema em Santa Maria foi a 17 de fevereiro de 1898, no Teatro 13 de Maio, localizado onde hoje se encontra o Centro Cultural. A novidade fazia parte do espetáculo teatral da Companhia de Variedades do Teatro Lucinda, do Rio de Janeiro, dirigida por Germano Alves e tendo como principal atriz Apolônia Pinto”.

Menos de dois anos após a exibição da rua dos Andradas, nº 230 em Porto Alegre, a cidade de Santa Maria recebe a primeira sessão de cinema, completando, no último domingo, 110 anos de envolvimento com a sétima arte.

É preciso ressaltar que Santa Maria foi uma das primeiras cidades do interior gaúcho a possuir iluminação elétrica, justamente em 1898. Ainda em 1895, foi inaugurada a linha férrea Santa Maria / Cachoeira do Sul e que, mais tarde, seria ampliada até Porto Alegre. Esses fatos colocam a cidade no roteiro dos grandes espetáculos de variedades que percorriam, de forma itinerante, as principais cidades do Brasil.

A evolução do cinema em Santa Maria

O Cineclube Lanterninha Aurélio recebeu, como doação de Werner Rempel, um importante documento de 1956, escrito devido à re-inauguração do Cine Independência. Nesse informativo, Romeu Beltrão, importante nome na memória de Santa Maria, faz um apanhado da história das projeções cinematográficas em nossa cidade. A nossa vontade é reproduzi-lo em sua quase totalidade, para refletir e comemorar os 110 anos de uma das primeiras manifestações cinematográficas do interior do estado.

Dizia o anúncio: “Neste extraordinário aparelho serão apresentados a todo o comprimento do pano de boca do teatro, com auxílio de luz elétrica, sem a menor oscilação, as figuras movem-se e o espectador terá a ocasião de apreciar os maiores quadros de sensação, caminhos de ferro, grandes batalhões em desfilada, o mar agitado e barcos em movimento espantoso atraem a atenção do público, que tem aclamado esse aparelho o maior sucesso conhecido até agora”.

Compunha o programa : “1) Prestidigitador Hermann; 2) Irrigação no Passeio Estrela (Lisboa); 3) Um batalhão espanhol; 4) Por causa de um antigo jornal...; 5) Mergulhadores na África Portuguesa; 6) Um combóio de recreio na Cintra (Portugal)”

Após essa ilustração de 1898, Romeu Beltrão, segue traçando a evolução das projeções na cidade “Em seguida, surgiu na cidade outro aparelho denominado, Cronofotógrafo e exibido por um sr. F. Taboada, mas fracassou e a imprensa da época foi unânime em apregoar as vantagens do cinematógrafo do sr. Germano Alves.

Por volta de 1911, no próprio Teatro 13 de Maio, existia um cinema, o primeiro que teve a cidade, chamado Recreio Ideal, de propriedade de Afonso Farias do Nascimento, por apelido Toquinho, figura popular na época.

Também apareciam, de quando em vez, exibidores ambulantes, davam espetáculos num salão da Cervejaria Seyfarth, que ficava onde hoje é o Depósito Central, na avenida Rio Branco.

A 30 de dezembro de 1911 abriu-se nova fase do cinema em Santa Maria, com a abertura do Coliseu Santamariense, de propriedade de João Martins Peixoto, que daí por diante, passou a ser o animador da cinematografia e do teatro em nossa terra, enquanto desaparecia o velho Teatro 13 de Maio”.

Em complemento ao texto de Beltrão, encontra-se a obra de Aristilda Rechia “Santa Maria – Panorama Histórico-Cultural” que afirma que “em 30 de dezembro de 1911, foi inaugurado o Teatro Coliseu, no local onde, até há pouco, encontrava-se edificado o Cinema Glória. Era propriedade de firma Peixoto, da cidade de Bagé. O prédio em madeira ostentava em sua fachada um trabalho todo em recortes de madeira, cuja obra foi executada por Primo Casagrande. O casarão foi construído por Primo Mussoi. Tinha capacidade para 1.300 pessoas.(...) O Teatro Coliseu, possuindo boas acomodações, excelente acústica e camarins confortáveis, passou a ser o preferido pelas companhias e acabou fazendo sombra ao Theatro Treze de Maio. Teve vida ativa até meados da década de 40, e também seu fim, sendo o casarão demolido”.

Novamente conforme BELTRÃO, por morte de seu primeiro proprietário, passou o Coliseu à posse de Carlos Peixoto (Cavôco), irmão de João, que vendeu a Charles Sturges a êste cinema Cupello S/A. Em 1945 o tradicional casarão de madeira da esquina da Dr. Bozano com a Riachuelo foi demolido e, dentro em breve, as glórias do velho Coliseu renascerão num magestoso cinema, que fato curioso, já foi batizado de Cine Glória.

A 15 de agosto de 1922 abria suas portas o Cine Independência, de propriedade e direção de Joaquim Correa Pinto, o Quinca Pinto, passando sucessivamente à direção de Pedro Diaz Marco (1925-1928), Horácio Castelo (1928-1929), Carlos Peixoto (1930-1935), Joaquim Correa Pinto (1936-1938), Silveira, Varella & Cia. (1939-1940), Charles Sturges (1940-1946), Cinema Cupello S/A (1946-1956) e Cinemas Cupello Santa Maria S/A, que hoje entrega aos santamarienses como uma das mais modernas salas de espetáculos do Estado.

Entre 1925 e 1929, mais ou menos, funcionou em um terreno baldio da avenida Rio Branco, onde atualmente se levanta o edifício Piraju, o Cinema Ar-Livre, de propriedade de Gustavo Rademacker e Erico Melchers, e assim chamado porque era a céu descoberto. Os mesmos emprezários tiveram, pela mesma época, outro cinema, localizado na rua do Comércio, hoje Dr. Bozano, onde se encontra a Loja Primavera atualmente, mas foi de vida efêmera nem o nome deixando nos fastos da cidade.

Outro marco importante da história da cinematografia entre nós foi a inauguração do Cinema Imperial, sob a direção de Charles Sturges, a 27 de junho de 1935. Passou depois à empresa Cinemas Cupello S/A e no presente pertence à Cinemas Cupello Santa Maria S/A.

Em os anos de 1937-39, numa dependência do Clube Caixeiral, esteve em funcionamento o Cinema Odeon, de Silveira, Varella & Cia. – o primeiro cinema de cadeiras estofadas que teve a cidade.

Eis, a largos traços, a evolução do cinema em nossa Santa Maria, dos tempos do amendoim torrado, passando pelos da bala café-e-leite, até o do chiclete; do piano do Maestro Bersani, dos violinos do Martini e do Alcides Trindade, da flauta do Taitai (Gentil Berch), do violoncelo do Maestro Grau e do contra-baixo do Gregório Trindade aos possantes sistemas sonoros de nossos dias; e das imagens saltitantes que fugiam da tela, à maravilhosa projeção dos aparelhos modernos.

Hoje, 25 de agôsto de 1956, começa para nós a era do cinemascópio e dos gigantes da técnica da moderna cinematografia.

O passado é uma imensa saudade e o presente também um dia será...”

Como se vê, o atual presente também é passado, pois estamos há exatos 235 dias sem cinema comercial em Santa Maria. No dia 5 de julho de 2007, a Sul Projeções fez sua última exibição na cidade com o blockbuster Homem Aranha 3. De lá para cá, a administração do shopping Monet abriu várias negociações, principalmente com distribuidoras multiplex, mas ainda não informou nenhuma data como prazo para abertura das salas. A única certeza é que as salas precisam de reformas, pois o estado de má conservação, a ruim qualidade da projeção e principalmente a péssima qualidade do som contribuíram de maneira significativa para a falta de público nos cinemas. Alguns ainda apontam a qualidade dos filmes exibidos, mas esse problema está inserido no tripé: produção, distribuição e exibição, que assim como outros problemas inerentes, precisa de um processo de amadurecimento e conscientização do estado, dos distribuidores, dos exibidores e, por fim, do público.

Porém, o Royal Plaza Center promete ainda para o primeiro semestre deste ano a abertura de 4 salas de cinema, sendo 2 digitais e outras 2 em película 35 mm. Essas salas serão administradas pelo grupo Arco Íris Cinemas, de propriedade de Mário Santos, que esteve em Santa Maria durante a realização da última edição do Santa Maria Vídeo e Cinema, onde participou do Seminário Gaúcho de Cinema como convidado, representando os exibidores. Nessa oportunidade, a Estação Cinema – Associação dos Profissionais Técnicos de Cinema e Vídeo de Santa Maria e representantes do movimento cineclubista da cidade conseguiram o comprometimento do empresário de que seriam abertas essas 4 salas, sendo que uma das digitais deverá ser destinada para filmes de arte. Essa talvez seja a grande compensação para todos que gostam do cinema e que foram privados dessa atividade coletiva ao longo de quase um ano. É também fruto da longa tradição da cidade com o cinema e com o movimento cineclubista.

Para complementar, segundo dados da ANCINE – Agência Nacional do Cinema, o Brasil possui uma sala para cada 90 mil habitantes. Então, somente 8% da população brasileira têm acesso a salas de exibição, ressaltando que a maioria dessas salas encontram-se em grandes centros urbanos, alojadas em shopping-centers. O cinema de calçada praticamente inexiste. No Rio Grande do Sul, fora da capital, são pouquíssimas cidades que ainda possuem salas de cinema.

Logo, visualizamos que a situação da falta de salas comerciais de cinema em Santa Maria é muito mais resultado de uma conjuntura altamente excludente, que garante o acesso a apenas uma parcela mínima da sociedade, do que a falta de interesse e público.

O Cineclube Lanterninha Aurélio respeita seus freqüentadores e sua história, e nessa relação estabelece cúmplices e parceiros, dando continuidade e condições para que ainda consigamos nos transportar para outros mundos e realidades a partir de uma sala escura bem próxima a nós, o auditório da CESMA. Apesar de tudo, o cinema foi e ainda continua sendo uma grande característica cultural de nossa cidade. Por isso, vamos continuar esperando para que a saudade do passado torne-se experiência futura.

Ver texto sobre a tradição cineclubista de Santa Maria.


fontes:

Rechia, Aristilda. Santa Maria, Panorama Histórico-Cultural. Santa Maria: 3ª edição – Associação Santa-Mariense de Letras, 2006.

Belém, João. História do Município de Santa Maria 1797-1933. Santa Maria: Editora UFSM, 2000.

Steyer, Fábio Augusto. O cinema em Porto Alegre – 1896-1920. Porto Alegre: PUCRS/BCE, 1999.

Toulet, Emmanuelle. O cinema, invenção do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.



por

Paulo Henrique Teixeira & Francele Pedroso Cocco

Coordenadores do Cineclube Lanterninha Aurélio – Projeto Cultural CESMA

2 comentários:

Rossato disse...

Que raiva que dá... 210 mil habitantes em Santa Maria e não tem cinema... E esse shopping que não abre nunca... com várias datas de inauguração: 27 de setembro de 2007, novembro de 2007, 1º de março de 2008 (passei lá tá quase tudo parado). Será que abre esse ano??? Até parece que vai ser o maior shopping do Brasil, faz mais de 10 anos que estão construindo...

paulo teixeira disse...

Pois é...tínhamos a informação de iria abrir em abril, mas pelo que saiu no jornal hoje, essa data já não vale mais.