terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

santa maria menos criativa

Car@s, é com grande tristeza que pouco mais de 10 dias após a morte de Pedro Freire Júnior, venho informar o falecimento de Sérgio Assis Brasil acontecido às 9h desta manhã.
Não tenho palavras para expor sentimentos numa hora dessas, me limito a repassar uma entrevista realizada pelo Rascunho, jornal da CESMA, com o Sérgio em julho de 2005, época do 4º SMVC que justamente o escolheu como homenageado local.

Catarse cinéfila com Sérgio Assis Brasil:

Ele sempre teve um lado artístico bem aguçado, porém, a arte que lhe renderia certo reconhecimento não foi a primeira com a qual se envolveu. Tudo começou em meados dos anos 60 com a música, no auge do movimento denominado Jovem-Guarda. Nessa época, um rapaz chamado Sérgio Assis Brasil fazia algumas apresentações em estabelecimentos locais com seu conjunto, Os Flintstones. Eles animavam bailes de formatura, de debutantes e festas em geral, já que pouquíssimos lugares ofereciam som mecânico como opção.

Ainda nessa época, o jovem músico começou a dividir seu tempo com outra atividade: a produção cinematográfica. Primeiro foi o envolvimento com o Cineclube do Colégio Santa Maria, em seguida a influência de alguns amigos e, por fim, o casamento da irmã. O leitor deve estar se perguntando "como assim?". É que foi nesse momento que o jovem garoto viu pela primeira vez um equipamento de filmagem e tomou gosto definitivo pela coisa.

Depois disso, tudo descambou. No bom sentido, lógico! O garoto que antes animava bailes e festas juvenis começava a dar seus primeiros passos rumo à produção audiovisual. Hoje com mais de 25 anos dedicados ao vídeo e ao cinema, Sérgio coleciona excelentes produções, prêmios e algumas histórias bem interessantes para contar.

Sua carreira autodidata já passou pelas películas 8, 16 e de 35mm; andou do cinema ao vídeo, das telas da televisão aos videoclipes de bandas locais e alguns artistas de renome estadual. Suas funções por trás das câmeras foram inúmeras: diretor, produtor, roteirista, operador de câmera e quase tudo o mais que se possa fazer por trás das telas e, até mesmo, na frente delas, já que também acumulou a função de apresentador de alguns programas na época em que trabalhou para TV.

E é sobre isso tudo isso e mais um pouco que o simpático senhor, de baixa estatura, mas de grande talento, conversou com o Rascunho. Confira um pouco desse descontraído e, segundo o próprio entrevistado, relaxante bate-papo:

Rascunho – Como começou tua relação com o cinema?

Sérgio - Eu sempre gostei de cinema, porém meu primeiro contato direto com isso foi no Cineclube do Colégio Santa Maria. Tinha uma pequena sala, ali na escola mesmo, onde eu e alguns colegas projetávamos alguns filmes bem interessantes em 16mm. Além disso, a gente promovia discussões e tínhamos um fichário e uma pequena biblioteca com anotações referentes às películas que exibíamos. Foi nesse período que eu me apaixonei de vez pelo cinema e decidi que queria trabalhar com aquilo.

Rascunho – Em que ano foi isso?

Sérgio - Por volta de 1963/64, se não me falha a memória.

Rascunho – Foi aí que tu resolveste fazer cinema mesmo?

Sérgio – Mais ou menos. Na verdade foi nesse momento que eu me apaixonei de vez pelo cinema. Meu interesse aumentou ainda mais quando tive contato pela primeira vez com uma câmera, que é uma história bem engraçada. Foi no casamento da minha irmã, há muitos anos, não posso nem dizer quanto tempo se não ela pode ficar braba (risos). Mas foi aí que vi aquele equipamento e isso me causou um fascínio tal que passei toda cerimônia olhando o pessoal filmar, tentando entender aquele mecanismo.

Rascunho – E quando tu começaste a trabalhar com cinema?

Sérgio – Foi por volta de 1969, quando eu e um grande amigo chamado Luiz Carlos Moraes rodamos um curta em 8mm chamado "Amor Desamor". E era bem interessante, porque na verdade, a gente rodava em 16mm e depois tínhamos que cortar o rolo ao meio, ficando só com uma perfuração de borda para trabalharmos.

Rascunho – Essa foi uma época em que os jovens eram bastante engajados politicamente. A tua arte, o teu cinema no caso, era assim também?

Sérgio – Apesar de eu ter minhas convicções o meu cinema nunca foi de protesto. Esse filme mesmo, o "Amor Desamor", pensando bem, tinha algumas coisas que subvertiam certos valores, o que se pode considerar uma maneira bem singela de protestar. Eu e o Luiz, meu amigo, fazíamos faculdade de Direito e, apesar de eu não ser muito ligado a isso, ele era. No fim, agora pensando bem, o filme tinha várias coisas que o Luiz colocou que eram uma espécie de pequenos protestos que criticavam alguns valores e modos de vida de nossa sociedade. Acho que se eu visse o material hoje novamente iria encontrar outras mensagens subliminares que ele tentou passar. O Luiz era bastante ativista e me ensinou muita coisa...Toda semana ele ia preso (risos).

Rascunho – Mas e tu, eras ativista?

Sérgio - Eu tinha meus ideais, mas não os explicitava nos meus trabalhos, pelo menos não propositalmente. Uma vez eu fiz um documentário institucional para Universidade no qual misturei um roteiro de ficção junto. Era por volta de 1971/72 e, no roteiro, tinha um rapaz que aparecia às vezes nos pinheiros lá da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria), às vezes dançando na boate do DCE. E ele tava sempre fumando e bebendo muito, o que acabava rompendo com algumas convenções.

RascunhoE pra que serviria esse documentário sobre a UFSM?

Sérgio – Infelizmente eu não lembro. Mas esse vídeo passou no cinema Glória durante alguns dias, depois das exibições de filmes. Eu morava naquele prédio ali em cima das salas de projeção e era amigo do gerente, o Seu Arlindo. Por isso, entrava todos os dias para ver a exibição do documentário e analisar a reação das pessoas. Aquilo era maravilhoso, eu me sentia um diretor famoso ali. Era engraçado, também, ver as diferentes reações que as pessoas tinham: uns riam, outros ficavam sérios e uns nem davam bola.

Rascunho – Nessa época tu já estavas trabalhando apenas com audiovisual?

Sérgio – É, praticamente. Mas depois de um tempo as finanças começaram a apertar e tive que achar algo mais para fazer. Acabei continuando com o vídeo, já que filmava casamentos e eventos.

Rascunho ­– E como era a aceitação da tua família com relação a essa tua paixão?

Sérgio – Era boa, sempre foi. Minha esposa sempre me apoiou e esteve ao meu lado, dando estímulo, acho que é por isso que estamos casados até hoje (risos). Como ela é artista plástica, entende as dificuldades de se lidar com arte no Brasil. Teve uma fase de nossas vidas inclusive, que morávamos no edifício Taperinha, e eu estava filmando um curta chamado "Uma gravata para Mário". Durante as gravações, que duraram quase um ano, nossa casa toda estava dentro do quarto, já que o resto dos cômodos estava servindo de locação. Além disso, meu primeiro filho era bem pequeno e deixava a situação ainda mais delicada. Mesmo assim, ficamos eu, minha esposa e ele empoleirados no quarto durante quase um ano. É bom lembrar que, além da minha família, sempre tive a sorte encontrar pessoas que acreditaram nas minhas histórias, no meu delírio, nas minhas fantasias e me acompanharam nesses projetos.

Rascunho – As locações desse curta foram apenas no teu apartamento?
Sérgio – Não, teve algumas cenas fora. Até foi bom tu perguntar porque eu lembrei de uma história bem legal sobre a captação de imagens para esse registro. Um dia fomos filmar algumas cenas ali na serra e acabamos levando as crianças junto, não só as nossas, mas do pessoal da equipe também. Bom, chegamos lá e montamos o set todo pra rodar uma cena de beijo bem ardente, então achamos melhor tirar as crianças de perto. Levamos todos eles pra longe e começamos a rodar. E não é que um deles se escondeu em cima de uma árvore e bem na hora da cena o piá cai lá de cima! Foi muito engraçado (risos).

Rascunho – Sérgio, teria como tu fazeres uma cronologia do teu trabalho?

Sérgio – Vou tentar. Eu comecei fazendo Super 8 no final dos anos 60. No começo dos 70 iniciei a trabalhar com a bitola 16mm. Nessa mesma época, acho que em 1971/72, um amigo da UFSM achou uma máquina 35mm perdida por lá e me convidou para fazer alguns serviços com ela. Já nos anos 80 eu entrei para TV e, basicamente, dirigi, produzi e apresentei programas. No começo dos 90 saí da televisão e comecei a trabalhar novamente com película.

Rascunho – Como foi teu trabalho na TV?

Sérgio – Foi maravilhoso! Eu produzia e apresentava vários programas na RBS, além de exercer a função de Diretor de Telejornalismo e Programação de 80 a 90. Alguns dos programas eram de telejornalismo e outros de cunho mais cultural, com apresentação de artistas e exibição de videoclipes de bandas locais que eram produzidos por mim. Esses clipes me proporcionaram um enorme aprendizado.

Rascunho – Esses vídeo clipes eram só de bandas santa-marienses?

Sérgio – Basicamente sim. Eu rodei clipes de bandas como Quintal de Clorofila e Fuga. Este último teve uma cena muito legal em que uma das personagens fugia correndo e um batalhão de choque da PM marchava atrás dela. Foi legal porque eu consegui essa equipe de policiais sem muitas dificuldades. Esses dias um amigo foi lá na Brigada falar sobre uma outra produção e um dos soldados veio falar com ele e disse "...nos anos 80 eu participei de um filme, correndo atrás de uma menina.", se referindo ao clipe da Fuga.

Mas também fiz clipes com artistas regionais como Borghetinho, Gaúcho da Fronteira e Adriana Calcanhoto. Os três foram rodados quando fui convidado para dirigir um programa chamado "Viagem a uma região encantada", que foi um espaço de duas horas sobre as regiões do Rio Grande do Sul exibido na Globo. Foram escolhidos quatro diretores e quatro roteiristas, eu fui um dos diretores e meu roteirista foi o Tabajara Ruas. Tive doze dias para fazer toda produção e rodar as filmagens. Eu ia parando em hotéis e ligando para o Tabajara para que ele me passasse o roteiro. Naquela época não tinha celular! (risos)

Rascunho – Hoje em dia, com o advento do vídeo, as coisas ficaram bem mais fáceis para quem trabalha com produção audiovisual. O que tu achas disso?

Sérgio – Eu pude acompanhar bem essa transição. Quando surgiram as primeiras câmeras de vídeo as pessoas começaram a abandonar a película, já que era muito mais prático de se trabalhar com o vídeo. Era o fascínio pela instantâneidade. Com o advento do vídeo se perdeu em estética e qualidade, mas se ganhou em mercado e agilidade. Eu não sou contra o vídeo, de forma alguma, só acho que não se pensa muito, tu olhas ali no vídeo e diz: 'isso aí, manda ver!', diferente da película que tinha que pensar, "visualizar" a cena antes de rodar para que tudo corresse como se queria.

Rascunho – Tu disseste uma vez no começo dos anos 90, num programa local de rádio, que havia parado de fazer cinema, que não estava mais a fim de fazer filmes longos. Porém, por volta de 1996/97 tu começaste a rodar o "Manhã Transfigurada", uma adaptação de época em longa metragem. Conte um pouco sobre isso:

Sérgio – É verdade! Eu havia pensado em parar, porque este tipo de produção é um processo longo e delicado. Contudo, o "Manhã" reascendeu em mim a chama do cinema, aquela da arte como desafio. Eu sabia que não ia ser fácil, embora no começo eu tenha sido bastante otimista com relação a prazos. Eu tinha bastante conhecimento da teoria, mas não da prática de se produzir um longa como este, e, apesar de ter errado na previsão não errei na idéia. Esse tipo de coisa é ótimo porque faz a gente acreditar no que está fazendo e faz com que muita gente também acredite e participe.

Rascunho – Como anda o "Manhã", hoje?

Sérgio - Bom, eu recebi um telefonema hoje dizendo que o filme já está no sexto corte, ou seja, na estética e no andamento do filme é bem provável que não se mexa mais. A trilha sonora já está pronta, ela foi feita pelo meu filho Gustavo e teve a participação de músicos da OSPA (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre). Agora nós fechamos mais alguns patrocínios que farão com que o projeto ande ainda mais. Pretendemos terminá-lo o mais rápido possível.

Rascunho – Na tua opinião, qual a importância de um festival como o SMVC para Santa Maria?

Sérgio – Há muitos anos atrás quando eu ia aos festivais em Gramado ficava sonhando com um deles aqui em Santas Maria. Hoje isso é realidade. Eu acho que a cidade além de ser um pólo de produções audiovisuais no interior do Estado, tornou-se uma referência em festivais fora dos grandes centros urbanos brasileiros.

Rascunho – Sérgio, pra encerrar: o que caracteriza um bom diretor pra ti cite um filme que tenha te marcado:

Sérgio - Falando como expectador, um bom filme é aquele que me prende na cadeira, onde eu não vejo o tempo passar. Já pensando como Diretor, uma boa produção tem que ser "visualizada", pensada, para que o resultado final seja tão bom quanto esperado.

Quanto a um filme que tenha me marcado...deixa ver...são tantos! Mas tem um que toda vez que assisto me perturba, chama-se "A inocente face do Terror", de Robert Mulligam. Ele conta a história de dois meninos, na qual um morre e o outro assume a personalidade do que faleceu. Acho esse filme muito interessante.

Sérgio – Muito legal essa iniciativa de vocês, foi como se eu estivesse na frente de quatro analistas sem aquele compromisso de estar falando as coisas, nem parecia uma entrevista. Foi ótimo, uma espécie de catarse, onde lembrei de coisas que há tempos não relembrava.

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